STJ pode julgar este ano caso de mais de 120 anos envolvendo a família real

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Advogado Gabriel de Orleans e Bragança: família já não tem necessariamente a pretensão de ter o imóvel de volta

O processo mais antigo do país, com pouco mais de 120 anos, poderá ser julgado este ano pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). É uma disputa entre a família real brasileira e a União sobre a posse e a propriedade do Palácio Guanabara, sede do governo do Rio de Janeiro. São duas ações que podem fazer a União perder o imóvel ou ter de indenizar a família.

Os dois processos (nº 1149487 e nº 1141490) integram o estoque de 330 mil ações do STJ. Chegaram aos ministros em 2009, depois de decisões do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região que negaram os pedidos de posse e propriedade, feitos separadamente. A posse permite o uso do imóvel. A propriedade define quem é o dono.

A família real e a União começaram a brigar em 1895, data da primeira ação, proposta pela princesa Isabel de Orleans e Bragança. A família adquiriu o Palácio da Guanabara em 1864, com o dote dado pelo Estado para o casamento da princesa com o Conde d’Eu, conforme previsão na Constituição da época. O palácio se tornou a residência do casal. Mas com o fim da monarquia, foi confiscado e transferido ao patrimônio da União.

Na ação, a princesa pedia a posse. Uma segunda ação, sobre propriedade, foi proposta pelos seus netos, em 1950, sete anos antes de o relator do processo no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, nascer. Na época, a família já não ocupava mais o palácio.

O primeiro processo ficou parado entre 1897 e 1964, quando as partes foram chamadas para manifestar interesse em continuar com as ações. No STJ, as ações começaram a tramitar em 2009, mas questões burocráticas atrasaram o julgamento – como a definição da Seção em que deveriam ser julgadas e a necessidade de certidão de óbito oficial em espanhol.

Para o advogado e integrante da família real, Gabriel de Orleans e Bragança, do escritório Sérgio Bermudes Advogados, os processos estão andando rápido no STJ. Já na instância inferior, o TRF da 2ª Região, somente embargos de declaração – recurso em que se pede esclarecimentos – chegaram a demorar dez anos.

“É um pouco desanimador demorar tanto tempo”, afirma o advogado da ação mais antiga, Dirceu Alves Pinto, do escritório Miguel Lins Advogados. A ação chegou até Alves Pinto depois que o escritório em que atuava se fundiu ao do advogado do processo original. “Sempre temos a expectativa de ser julgado”, diz. A atuação das defesas da família real nos dois processos é conjunta.

Gabriel Orleans e Bragança acredita que o caso pode ser julgado pelo STJ no primeiro semestre. Segundo o advogado, pelo tempo que se passou, a família já não tem necessariamente a pretensão de ter o imóvel de volta, mas indenização proporcional. Não há estimativa de valor – seria fixado após perícia. “O que aconteceu em 1985, com o esbulho, foi um ato ilegal. É contra isso que nos voltamos nesse caso”, afirma.

Já a Advocacia-Geral da União (AGU) defende nos processos que o imóvel foi incorporado ao patrimônio da União com a proclamação da República, conforme reconhecido pelo TRF. A Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro alega, no caso, que o único direito da família imperial era de residência no imóvel, que foi extinto com a proclamação da República, que “aboliu privilégios”.

Discussões de posse e propriedade costumam durar de cinco a dez anos, segundo o advogado Tiago Asfor Rocha de Lima, sócio do escritório Rocha, Marinho e Sales Advogados. “Duram mais do que isso quando são casos muito grandes”, afirma. A contagem de prescrição no direito civil é diferente do penal, permitindo a existência de ações centenárias. No direito civil, o prazo de prescrição é o intervalo entre o fato e o ingresso com a ação.

Agora, com os recursos da família real, as duas ações integram o estoque de 330 mil processos do STJ. O total é quase o mesmo volume de julgados em um ano na Corte. Em 2017, foram 362.728 processos, sem contar agravos e embargos de declaração – com eles, o número salta para 478.607.

Criado com a Constituição de 1988 para desafogar o Supremo Tribunal Federal (STF) e julgar matérias infraconstitucionais, o STJ se vê agora com o mesmo excesso de processos do Supremo. Apesar de uma redução recorde no estoque em 2017, de 11%, ainda são 10 mil processos por ministro.

Em 2017, o STJ criou mecanismos para tentar reduzir seu estoque. Entre eles, implantou a afetação eletrônica de recursos repetitivos. O tribunal ainda tenta alterar a forma de chegada de recursos, com a implantação do “filtro de relevância”. O mecanismo depende de emenda constitucional e seria uma etapa para o recurso especial.

O sistema recursal facilita muito a demora e manutenção de processos de forma protelatória na Justiça, segundo o professor Flávio de Leão Bastos Pereira, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “É preciso revisar o sistema recursal. No STJ, a simplificação desse sistema já facilitaria muito”, afirma.

Valor

 

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