‘Não soube me conter diante de tanto poder e dinheiro’, diz Sérgio Cabral em depoimento

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O preso Sérgio Cabral quando esteve em Benfica – Domingos Peixoto / Agência O Globo

 

O ex-governador Sérgio Cabral (MDB) falou, em depoimento nesta sexta-feira à Justiça Federal do Rio, sobre o poder que ganhou com duas décadas de carreira política e admitiu ter sido soberbo ao ter tido a ambição de eleger um alto número de prefeitos, vereadores e deputados. Cabral usou as palavras promiscuidade e desonestidade para falar sobre a prática de caixa dois em suas campanhas eleitorais. Embora mais emocionado do que em vezes anteriores e mais incisivo em suas declarações, o ex-governador manteve a estratégia de dizer que usou recursos de sobras de campanha – e não de propina – para gastos pessoais.

– Não soube me conter diante de tanto poder e tanta força política e, de uma maneira vaidosa, quis fazer prefeitos nas cidades, vereadores e deputados – declarou Cabral. – Houve, sim, dinheiro e muito dinheiro – disse, afirmando que eram doações de campanha e que repassou recursos até mesmo à oposição, quando isso era conveniente.

O juiz Marcelo Bretas lembrou no depoimento que os doleiros e delatores Marcelo e Renato Chebar, que cuidavam das finanças de Cabral, afirmaram que movimentaram em torno de R$ 500 milhões para Cabral. O ex-governador disse que a cifra não está distante da realidade e que, desse montante, pegou cerca de R$ 20 milhões “para a vida pessoal” entre 2007 e 2016. É a primeira vez que o emedebista quantifica o volume total de seus gastos pessoais com o dinheiro que ele afirma ser sobras de campanhas.

O ex-governador também reconheceu ter sido desonesto ao pedir dinheiro não contabilizado para campanha e ao usá-lo para fins pessoais. Cabral disse ter se deslumbrado com os recursos.

– A promiscuidade foi muito grande. Foi nessa promiscuidade que eu me perdi. Foi nessa promiscuidade que usei dinheiro de campanha para fins pessoais – afirmou. – O conceito de pegar o dinheiro de campanha eleitoral para uso pessoal é desonesto. Pegar dinheiro não oficial (para a eleição) é desonesto – disse ele em outra parte do depoimento.

O emedebista voltou a negar ter negociado propina:

– Nunca pedi a um empresário que incluísse um percentual em qualquer obra e serviço.

Cabral disse ao magistrado que ajudava, com dinheiro não contabilizado, campanhas de prefeitos, vereadores e deputados. O juiz insistiu em saber quem recebia a ajuda. O emedebista, no entanto, não quis citar nomes. Bretas questionou se o ex-governador poderia abrir mão de seus bens para demonstrar seu arrependimento. Cabral disse que sim.

– Qual é a importância do patrimônio, se não se está com os filhos – declarou.

Um dos bens a que o juiz se referiu no fim do depoimento foi a mansão em Mangaratiba, no Sul Fluminense, avaliada pela Justiça em R$ 8 milhões. Bretas havia autorizado o leilão da casa, mas a decisão foi revista pela segunda instância a pedido da defesa de Cabral. O imóvel está no nome da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo.

O processo em que Cabral depôs nesta sexta-feira apura a lavagem de dinheiro no exterior. Os doleiros Renato e Marcelo Chebar apontaram mais de US$ 100 milhões de Cabral fora do país. O dinheiro já foi repatriado. O advogado de Cabral, Rodrigo Roca, pediu a repetição do depoimento neste processo porque, no primeiro, o ex-governador estava preso em Curitiba e optou por ficar em silêncio, alegando que a defesa estava prejudicada.

No início do depoimento, o clima foi de descontração entre o juiz Marcelo Bretas e Cabral. Os dois brincaram sobre as situações de seus times, Flamengo e Vasco, respectivamente. O magistrado disse que houve quem o criticasse por ter deixado o ex-governador conhecer o neto, de apenas três meses, durante uma audiência nesta semana em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ouvido. O bebê é filho do deputado federal Marco Antônio Cabral (MDB-RJ). Bretas lembrou que os presos têm direitos.

– Não veja em mim um inimigo – disse o magistrado a Cabral. – Não abro mão de tratá-lo com humanidade e respeito.

Cabral está preso desde novembro de 2016, quando foi deflagrada a Operação Calicute. Esta semana, ele foi denunciado pela 24ª vez. Até agora, ele foi condenado em cinco processos e suas penas somam mais de 100 anos de prisão.

O GLOBO

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