POR JOSIAS DE SOUZA
Em despacho sobre o indulto de Natal decretado por Michel Temer no final de 2017, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, fez considerações ácidas sobre as intenções do presidente da República. Anotou, por exemplo, que o decreto de Temer “dá um passe livre para corruptos em geral.” A íntegra da decisão do ministro pode ser lida aqui. O blog selecionou três trechos tóxicos do texto de Barroso. Vão reproduzidos ao longo do post.
Barroso determinou que os condenados por corrupção não recebam indulto natalino. E autorizou a libertação de presos que cometeram crimes sem violência —desde que condenados a até oito anos e que já tenham cumprido um terço (33%) da pena. Temer queria soltar quem tivesse puxado um quinto (20%) da cana, sem limite para o tamanho do castigo. Mais: anistiava 100% das multas.
No momento, o grupo político de Temer divide-se em dois subgrupos: há os que estão protegidos sob a marquise do foro privilegiado e os sem-mandato, que se encontram atrás das grades. O próprio presidente carrega um prontuário que inclui duas denúncias criminais momentaneamente sobrestadas pela Câmara e dois inquéritos em andamento. Sem citar nomes, Barroso insinua no item 79 do seu despacho que o decreto de Temer visava livrar da cadeia amigos e aliados. (leia na reprodução abaixo)
O indulto de Temer estava suspenso graças a uma decisão tomada pela presidente do Supremo, Cármen Lúcia, durante o recesso de final de ano no Judiciário. Ela estava de plantão. E atendeu a uma solicitação da procuradora-geral da República Raquel Dodge, que enxergou no decreto presidencial uma tentativa de esvaziar a Lava Jato. Ao retornar das férias, Barroso havia mantido a liminar de Cármen Lúcia. E liberara o processo para votação em plenário. Mas o tema não constou da pauta de março. Tampouco foi incluído na pauta de abril. E o ministro, atendendo a uma demanda das defensorias públicas, decidiu sozinho. Suas deliberações valem até que o plenário se manifeste.
Para Barroso, o decreto de Temer “carece de legitimidade”, pois fixou regras que favorecem a concessão de perdão a criminosos de colarinho branco. Fez isso contra a vontade da sociedade, que tenta superar o flagelo da impunidade. Foi nesse ponto, na altura do item 86 do seu despacho, que o ministro realçou a tentativa de Temer de dar “passe livre” para os larápios. (Veja abaixo)
Há nas cadeias brasileiras 720 mil presos, “a maioria em circunstâncias degradantes e violadoras da dignidade humana”, escreveu Barroso. Tornou-se uma praxe a utilização dos indultos presidenciais natalinos para desafogar os presídios. Mas o ministro realçou que a prática não faz sentido para os corruptos. Por quê? Embora “as grandes aflições da sociedade” sejam a punição de criminosos violentos e corruptos, “mais da metade das pessoas presas são acusadas ou condenadas por crimes não violentos.”, anotou Barroso. E “o número de presos por crimes contra a Administração Pública corresponde a apenas 0,25% do total.”
Barroso herdou do ex-ministro Joaquim Barbosa, hoje aposentado, a tarefa de acompanhar a execução das penas impostas pelo Supremo no julgamento do mensalão. Escorando-se nessa experiência funcional, o ministro informou quais são os efeitos da complacência penal com os corruptos. “Embora algumas das penas, diante da gravidade dos crimes, tenham sido fixadas em patamares elevados, o efetivo tempo de encarceramento foi substancialmente menor”, anotou.
“Com exceção de Marcos Valério – sentenciado a mais de 37 anos de prisão –, nenhum dos demais condenados se encontra, ainda, cumprindo pena em regime fechado, isto é, recluso em uma penitenciária”, prosseguiu Barroso. “A maioria dos condenados já foi perdoada pelo decreto de indulto presidencial. Todos os demais já progrediram para regimes mais benéficos ou estão em livramento condicional…” No item 31 de sua decisão, o ministro revela que, dos 23 mensaleiros condenados, 13 foram brindados com indultos presidenciais na Era petista. (Leia abaixo)
Na opinião de Barroso, “o excesso de leniência em casos que envolvem corrupção privou o direito penal no Brasil de uma de suas principais funções, que é a de prevenção geral. O baixo risco de punição, sobretudo da criminalidade de colarinho branco, funcionou como um incentivo à prática generalizada desses delitos”.
No final do ano, quando seu decreto foi crivado de críticas, Temer dera de ombros. Alegara que o indulto é uma prerrogativa do presidente da República. Passara por cima de recomendações do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Que foram ressuscitadas por Barroso. Entre elas a proibição de concessão de indulto a condenados por peculato, concussão, corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, crimes contra o sistema financeiro nacional, fraude a licitações, lavagem de dinheiro, ocultação de bens e crimes previstos na Lei de Organizações Criminosas.
Barroso escreveu: “A prerrogativa do presidente da República de perdoar penas não é, nem poderia ser, um poder ilimitado”. Faz sentido. Sobretudo quando o presidente é um personagem multi-encrencado, cercado de auxiliares e aliados investigados, denunciados, réus e condenados. Todos, em tese, candidatos a futuros indultos natalinos.
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